quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Salários e aposentadorias são mais da metade dos gastos de todos os estados do país; RN entre destaques em reportagem


O pagamento de servidores ativos e inativos estaduais consumiu, em 2018, mais da metade do orçamento em todos os 26 estados do Brasil e no Distrito Federal, deixando poucos recursos para serviços e investimentos . Em 12 deles, o percentual superou o limite de gastos com pessoal estabelecido por lei previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF ), de 60% de suas receitas com salários e encargos. Outros quatro estão próximos de estourar o limite, com percentuais entre 59% e 60%.

A situação mais preocupante é a do Tocantins, onde essa despesa corresponde a mais de 80% de tudo o que é arrecadado pelo estado. Em Minas Gerais, onde 78% da arrecadação está comprometida com a folha de servidores, desde 2016 o governo tem adotado o pagamento escalonado de salários do funcionalismo.
A crise enfrentada pelos estados poderá ganhar um novo capítulo nesta quarta-feira, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação que trata da possibilidade de redução de salários de servidores públicos de qualquer ente da federação mediante a diminuição de jornada de trabalho. O tema, que já foi pautado para ir ao plenário por três vezes, mas sem conclusão, poder dar um fôlego às finanças estaduais.
Além de Tocantins e Minas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Acre, Goiás, Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro e Maranhão descumpriram o teto permitido de gastos, de 60%. Bahia, Paraná, Santa Catarina e Sergipe estão em estado de alerta, com percentual acima de 59% segundo o último relatório do Tesouro.
Dados dos últimos sete anos apontam para um quadro de expansão dos gastos tanto dos ativos quanto dos inativos, alguns com crescimento mais modestos que outros. Em média, entre 2011 e 2018, o crescimento real (considerando a inflação do período), foi de 39,36%. Nesse período, o Rio de Janeiro aumentou seus gastos com pessoal em 110%. Em valores reais, o crescimento foi de R$ 24,1 bilhões, o maior crescimento entre todas as unidades da federação. Atualmente, de cada R$ 10 arrecadados pelo estado, um pouco mais de R$ 6 é destinado para folha salarial dos servidores.
Apesar do cenário de expansão, as despesas brutas com ativos e inativos dos estados sofreram queda real de R$ 985 milhões, entre 2017 e 2018. Um pequeno alívio na trajetória ascendente da dívida fiscal desses entes. As variações vão desde um crescimento real de 13,3% (Acre) até uma queda real de 10,7% (Rio Grande do Norte). No Rio, por sua vez, o crescimento foi de 2,4%, abaixo da mediana dos estados, de 2,8%.
Segundo o economista Raul Velloso, o resultado das contas de 2018 é fruto da adoção de medidas pontuais de ajuste, como aumento de alíquotas de contribuição, falta de reajuste salarial e paralisação de concursos. Além disso, foi impactado pelo ingresso de alguns estados, como Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, no Regime de Recuperação Fiscal, criado para fornecer instrumentos de ajuste fiscal para Estados com desequilíbrio financeiro.
— Os estados têm poucas válvulas para lidar com essa crise — admite Velloso. — Não têm como, com medidas superficiais, obter um resultado muito forte. É só pensar no setor privado. Quando eles precisam fazer um ajuste grande, mandam um monte de profissionais embora. Aí conseguem um resultado rápido, pagam indenizações, mas se livram daquela despesa.
A despeito da crise orçamentária, as despesas com salários permaneceram em alta nos últimos anos de recessão. Os gastos aumentaram do equivalente a 5,32% do PIB, em 2015, para 6,9%, ou R$ 470,9 bilhões.
Nas últimas décadas, de acordo com do Atlas do Estado Brasileiro, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número total de servidores públicos do país, nas três esferas de governo, sem contar trabalhadores de empresas estatais, cresceu 83% em 20 anos, passando de 6,264 milhões, em 1995, para 11,492 milhões, em 2016. No mesmo período, o crescimento da população foi de 28%.
Apesar da diferença, o percentual de funcionários públicos em relação ao total de ocupados formalmente no conjunto da economia – segundo dados do antigo Ministério do Trabalho, que incluem as empresas públicas – se reduziu de 22,3%, em 1995, para 17,4%, em 2016.
— Em grande medida, o setor público se manteve na mesma faixa das pessoas com ocupação formal, se comparado com o total no setor privado. Em termos absolutos houve aumento de vínculos, mas, no comparativo com setor privado, você relativiza muito esse número — explica Félix Lopez, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e coordenador do estudo.
Segundo o relatório, o crescimento mais vigoroso dos vínculos de trabalho no setor público municipal elevou a participação deste nível administrativo de 38%, em 1995, para 57%, em 2016. Em sentido inverso, o total de vínculos no setor público estadual caiu de 47% para 33%, no mesmo período.
Uma das razões é o crescimento do número de municípios do país; de 1985 a 2003 foram criados 1.456 novos municípios, o que representa expansão de 35%. Atualmente, quatro em cada dez servidores municipais são professores, médicos ou enfermeiros.
Para analistas, um melhor ajuste depende de uma reforma administrativa nos estados brasileiros, discutindo o emaranhado de carreiras e regras distintas de cada uma, além das progressões salariais aceleradas, que também podem ser vistas no governo federal. Uma mudança no regime previdenciário de estados e municípios também surge como alternativa para reversão da trajetória crescente da folha de pagamentos.
Entre 2017 e 2018, estados como Espírito Santo e São Paulo tiveram crescimento negativo de gastos com ativos, em parte pela contenção dessa despesa, com crescimento inferior ao da inflação. No entanto, houve crescimento real das despesas com inativos, a maior preocupação dos analistas no médio prazo.
— Nenhum dos estados trata do assunto de maneira estrutural. Acredito que para que haja uma solução de fato, é necessário a reforma previdenciária dos RPPS (Regime de Previdência dos Servidores Públicos) dos estados e municípios, além de uma reforma administrativa, principalmente para melhorar os incentivos à progressão de carreira e com consequente melhora da prestação dos serviços públicos — afirma Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.
Para Vilma, uma eventual decisão do STF no sentido de permitir a redução salarial dos servidores em caso de diminuição da carga horária deve ser analisada com cuidado pelos agentes públicos, a fim de não prejudicar serviços essenciais.
— Se reduzir a jornada de trabalho dos policiais, como ficará a prestação de serviços de segurança? Se for servidores que possuem ociosidade e que não existe déficit na área, acho que seja válido sim. Mas tem que ser olhado caso a caso. O impacto vai depender dessa análise, para saber em que casos se aplicam a medida ou não — afirma.
Na avaliação de Velloso, o impacto financeiro de uma decisão favorável do STF não deve ser expressivo nas contas estaduais, mas poderá gerar um alívio para realização de futuros ajustes, como administrativo.
— Não deverá ser expressivo, mas para o cara (secretário) que está fazendo das tripas coração para sobreviver, qualquer ganho é ganho, mas é perda de tempo de jogar fichas nisso (redução de salários e jornada) — conclui.
O Globo

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